Lady Gaga junta um milhão mas eu só penso no abraço fraterno de Ney Matogrosso
Nessa semana em que Lady Gaga vai juntar 1 milhão de pessoas em Copacabana, ando obcecada pela força da música e dos shows na minha vida. Vi o filme sobre o Ney Matogrosso, “Homem com H”, e fiquei balançadíssima lembrando do impacto do primeiro show dele que vi, em maio de 2000, quando tinha 17 anos.
Poema era carro-chefe desse show e até hoje me desordena um pouco o juízo – a gente acorda chorando, mas não acha ninguém ao lado e lembra de um tempo (que tempo mesmo? nem sei mais). Cazuza escreveu essa letra também com 17 anos.
Penso muito no medo como desculpa para um abraço ou consolo. O cérebro já manda a informação para o corpo rápido: se fragilizar agora, alguém cuida de você. E aí é equilibrar o desandar com o não-desabamento – se tombar, meu amigo, todo mundo sai fora. O negócio é que o cérebro manda também outra informação. Se ficar muito frágil, pode ser que ninguém cuide. Então a vida é esse cai não cai danado que – eu, hein. Deve ser coisa de ausência paterna.
Ney Matogrosso não caiu. Segue vivaço, rebolante, aos 83 anos, como quando eu o vi, em um maio um quarto de século atrás. Ele diz algo bonito sobre a mágoa que poderia sentir do pai (“rancor prende a gente em um lugar do passado”) e outra ainda mais bonita sobre a presença do espírito do ex-marido, que morreu de Aids, em alguns momentos de sua vida. Adorei a entrevista.
O programa do Bial também juntou as imagens de Ney e Jesuíta maquiados para mostrar a sobrenatural semelhança e Ney diz com ternura “o da esquerda sou eu”. Eu, que tinha acabado de ver o filme, estava em dúvida outra vez. Que ator absurdo.
Na exposição que vi no MIS há umas semanas, havia fotos lindas de todas as fases retratadas no filme, mas a fase que mais me pegou não foi para as telonas. Os anos 2000, o show que mudou minha vida, e o que veio depois. Por exemplo: “Vagabundo”, com Pedro Luís, é o disco que João mais escutou quando era bebê e eu ficava com ele sozinha em casa. “Interesse”, “Inpiração” e tantas outras são obras-primas.
Mas nesse maio que começa amanhã, começo de véspera a cantar “Fraterno”, uma carta escrita em algum outro maio, no Rio, por Pedro Luís. Não há uma vez em que abra a janela na Cidade Maravilhosa em dias que amanhecem solares e que os versos não venham à cabeça:
Rio, 25 de maio
Te envio um sorriso
Te desejo uma praia
Tá chovendo granizo
Deu saudade de casa
Dê lembrança aos amigos
No momento preciso
Tome um banho de rio
Que maio nos seja gentil.
3 coisas legais e nenhuma mais ou menos porque de amarga basta a vida
1. Flow
Fiquei tocada com Flow (os gatos aqui de casa tanto quanto), o filme da Letônia que levou o Oscar de melhor animação. No dia seguinte, no caminho para a escola, eu e meu filho elencamos as lições do filme para crianças.
O mundo muda, a natureza se adapta – não sei se humanos e animais sobrevivem ou não nesse caminho.
Família é a gente que escolhe e isso vale até o fim da vida. Você sabe quem vale a pena.
Às vezes se dispensa pessoas que são bem as que estarão lá por nós até o fim.
É possível se adaptar e aprender a mergulhar na água fria e pescar. Não ajuda muito quando se está morrendo de medo do mar, mas é bom sempre se lembrar.
Quando menos você espera, arruma força sabe lá de onde e se coloca a ajudar quem ainda não se levantou – uma especialidade aqui da casa.
2. Joan Baez
O filme sobre Bob Dylan, A Perfect Stranger (tá na Disney), coloca a luz na cantora. Já ouviu a voz dessa mulher? Fiquem com Blowin in the Wind só na voz dela porque é melhor que a original. Dylan, aliás, que machinho tóxico danado, hein?
3. Dominguinho
O disco do João Gomes, Mestrinho e Jotapê com delicinhas como essa “Lembrei de nós” em um arranjo suavão. “Me deixa mais forte, a razão do meu corre, você me envolve, você me resolve” em Olinda é cafuné em dias estranhos.
Era isso, acho.