É grave, doutor? Nem a frequência sexual do Rodrigo Hilbert me interessa
Saturada de informação até a tampa, chegou a temida ressaca criativa em que nada me inspira
Eu não quero saber quanto eles transam. Cada um transa o quanto quiser transar. A Fernanda Lima é linda e perfeita, sim. O Rodrigo Hilbert também. Mas eles não precisam justificar nada. Transem, se quiserem. Façam crochê, se quiserem. É tudo da lei.
Não posso me dar ao luxo de não me interessar mais por nada. Eu trabalho justamente descobrindo o que interessa as pessoas para dar um outro viés e fazer todo mundo pensar. Audiência que chama. Que presunção, fazer o outro pensar. Eu não quero mais pensar. Brain rot parece interessante. Onde é que eu vejo um tubarão de tênis Nike dançando?
Estou lendo há umas duas semanas “O perigo de estar lúcida", da Rosa Montero. Não quero acabar nunca mais. Nunca li algo que me descreva tão profundamente. Parece aconchegante, mas é desesperador: ela descreve a loucura. Ok, entendido: sou doida. Já desconfiava há uns 30 anos, mas agora ali escrito em quase 300 páginas é meio perturbador.
Rodrigo Hilbert e Fernanda Lima estão na internet dizendo que transam, sim. “Diferentemente do que foi publicado anteriormente, aqui tem sexo”. Legal a errata. Óbvio que eles transam, gente. Quem reclama que transa pouco é porque transa, sim. Quem não transa não fala do assunto, e gasta o tempo salvando post de restaurante caro no Instagram para ir qualquer dia.
A Rosa Montero descreve a compulsão por intensidade que acomete gente como eu (doidos, como ela). A gente quer tudo muito. Transar muito. Mas também salvar muito post de restaurante. Olha esse aqui que coloca camarão defumado no bloody mary, pessoal.
“Nós apaixonados não amamos as pessoas, mas a excitação, a maravilhosa euforia provocada pelo fato de acreditarmos que estamos apaixonados", ela diz.
Transfiro para o mundo. Eu amo bloody mary ou amo amar essa bebida? Eu amo hipopótamos ou amo a estranheza que causa meu amor por paquidermes? Eu estou triste porque o Le Jazz mudou a receita do bloody mary e agora perdi o motivo para viver ou estou triste porque nunca passei a mão em um hipópotamo?
Rosa atribuiu à escrita dos livros a salvação dessa busca por intensidade incessante. Carrére também: “Se estou escrevendo um livro, esses devem ser, ao lado do sexo, os pontos mais altos da minha vida, quando penso que vale a pena existir sobre a terra".
Curioso. Sexo me parece um pouco mais efêmero do que escrever um livro. Nesse momento, duas abas de livros diferentes que escrevo desde sempre cintilam no meu computador. Sou mais capaz de fazer sexo — ali me sinto competente para começar, executar e terminar. Com livros, sustento uma virgindade esquisita. Escolhi esperar? Bem, isso é outro assunto.
"Já falamos que temos dificuldade de viver a vida por si só, que a realidade se solta de nossas mãos e olhos como um cenário teatral barato e mal colado nos bastidores de madeira do palco. Diante dessa rotina tão carente de brilho e autenticidade, nos vemos obrigados a recorrer a uma dose de transcendência."
Viciados em intensidade. Viver inebriados. Transcender. Estar 100% prontos, no quintal, esperando a chuva de estrelinhas que cai quando algo muito fantástico ocorre. E depois que chove estrela? Ai.
O dia corre ordinário, entretanto. Não sinto o gosto do suco de laranja com beterraba que peço na padaria. Um homem fala sobre Barcelona na mesa ao lado. Uma senhora discute ao telefone sobre compras para o empreiteiro. Um rapaz encerra um papo dizendo: preciso trabalhar. São 9h da manhã, todo mundo precisa. O pessoal vai remarcar a reunião da tarde para agora de manhã, no horário em que estarei dando aula.
Finalizo dois PPTs de projetos diferentes. O livro da Rosa Montero todo cheio de post its repousa no meu colo lembrando de que sou feita do extraordinário. Não encontro tema relevante para escrever nada, já que nada é de fato interessante. O que você quer?, me perguntam. Quero tudo. E enquanto isso? Sei lá. Tubarões de tênis.
Será que quando visto o uniforme executiva de meia calça e botas recheando os PPTs de números que convençam clientes eu perco a criatividade? Pergunto para um amigo, mas escrevo criativaidade errado, sem querer.
As abas abertas. Os textos porvir. Os livros que não escrevi. Criati-vaidade. Parece que ando criando pecados em latim.
No meio do deserto criativo, uma ideia aconteceu.
Lendo o texto e foi só eita, atrás de vixe! Me reconhecendo em tudo isso descrito. Adorei! Eu que tava caçando o próximo livro que ler: dentre todos aqueles que estão lidos pelas metade, os novos ainda não abertos e os que eu gostaria de ler e não comprei pela culpa de todos esses que descrevi anteriormente, já tô com a mão no Kindle pra ignorar a culpa e comprar o que você falou da Rosa Montero e garantir o meu atestado de doida, que tbm já desconfio faz tempo que sou. Rsrsrs
Eu fico louca querendo tudo...vivo paralisada. Me pergunta quando isso vai parar. Não para.