Crise dos 40: envelhecer ou deixar uma mulher de branco queimar minha cara com laser?
A curiosa e dolorida experiência de finalmente me render às intervenções do mercado da estética e à promessa do retorno da juventude
Sacrifícios em nome da estética, dizia uma amiga no tempo em que a gente fazia depilação com cera. Esse passado pré-laser nem parece mais dolorido agora. Estou em uma maca, com um creme anestésico na cara. A médica, gentil, coloca um tipo de óculos de natação sobre meus olhos para que eu não perca a visão caso acidentalmente olhe para o aparelho que deve queimar camadas profundas da minha epiderme em alguns segundos. Como será que funciona isso?, eu penso enquanto escuto disparos e meu rosto esquenta (muito). A curiosidade cegou a gata, pondero. Sigo imóvel.
Uns minutos antes, a recepcionista simpática que me chama de Lu pergunta se estou ansiosa. Blasé, levanto os olhos do celular para dizer que não. “Por quê? Deveria?”
Ela diz que sim. Deveria ficar ansiosa porque é meu primeiro "reju”, como eles chamam o procedimento. “Ansiosa para ficar jooooovem!", ela exclama. Deve ser uns 20 anos mais nova que eu. Eu não consigo nem sorrir para ser simpática. Estou odiando tudo e nem comecei o rejuvenescimento. Reflito em como vim parar aqui. Reflito porque paguei para passar por isso. Reflito que ainda faltam três sessões depois dessa. Se eu fizer direitinho, elas dizem o tempo todo, o resultado vai ser maravilhoso!!!!
Nas próximas horas, meu rosto será propositalmente chamuscado por uma profissional. O cheiro de queimado é dos pelos da face?, eu pergunto. “Não, é sua pele mesmo". O rosto deverá arder bastante por algumas horas. Depois, melhora. Fica vermelho por dias. As micropintinhas brancas que resultam escurecerão no segundo dia. Depois, a pele deve começar a descascar. Embaixo dessas casquinhas, parece, está minha juventude perdida. Em alguns dias, ela aflorará.
O reju é maravilhoso!!!!, elas apelidam. Meus olhos viram embaixo dos óculos de natação que protegem um de meus cinco sentidos. O tato, no caso, pelo menos no rosto, já era. Ela abre minha boca para aplicar o laser nos lábios em movimento parecido com o de avaliar a dentição de cavalos. Como eu vim parar aqui? Eu só tenho 42 anos…
Eu sei como vim parar aqui. Sou a única das minhas amigas próximas que não investiu em botox ainda. Dia desses, uma delas perguntou um pouco irritada: “por que você não faz? é financeiro? é político?” Não soube responder. Político definitivamente não. Algo como “agora vocês vão ter que engolir minhas rugas"? Não faz sentido. Financeiro também não seria desculpa, já que uma amiga descobriu o que chamou de SUS do Botox, uma clínica baratíssima e confiável. Disse que tem até Instagram — a variável de confiabilidade é elástica quando o objetivo é ser jovem para sempre.
Tenho, porém, muitas restrições com o sacrifício em nome da estética. Tingi meu cabelo pela primeira vez há 30 dias. Foi só depois da 17ª pessoa se referir a mim como “Fulana é grisalha como você". Eu quero ser grisalha como a Fulana? Não quero. Eu quero tingir a raiz de meu cabelo? Não quero também. Mas não existe uma opção do meio. Agora, um mês depois, tenho sete milímetros de raiz branca sob a tinta castanha. O prêmio é repetir o processo para sempre. Ou esperar a próxima pandemia para deixar a raiz crescer como a Fulana.
Não gosto nem de ir ao dentista — e dizem que é muito necessário —, vou pagar para agulharem meu rosto? Mas estou na maca, na franquia de clínica de estética da Anitta, dentro de um shopping. As caixas de som tocam Envolver. “Aprovechame", diz a letra entre os disparos quentes que ardem. Dizem que esse é o método não invasivo.
***
“O que será que a Amanda Peet fez?", pergunta o homem que mora aqui em casa ao vê-la na TV. Aniversário. Amanda Peet fez muitos aniversários, eu mostro na tela do celular com a data de nascimento da atriz. 1972. Uma militante do não-procedimento em Hollywood.
Embora ela admita que adoraria parecer mais jovem, não vai cruzar essa linha. "Tenho medo de que uma visita ao dermatologista estético seja minha porta de entrada para o vício", disse. "Entraria para um pequeno lifting discreto e sairia parecendo um baiacu. Ou alguém com o rosto permanentemente pressionado contra uma janela de vidro. Ou como se eu estivesse no jato de ar de um 747. Qual é o sentido de fazer isso se todo mundo percebe? Eu quero algo que me faça parecer mais jovem, não algo que me faça parecer que fiz alguma coisa."
Ela, entretanto, já fez clareamento nos dentes, pintou o cabelo, fez peeling, usou laser no rosto (dói, amiga) e experimentou cremes antienvelhecimento. E mesmo assim não tem mais o rosto que tinha quando Ashton Kutcher cantava Bon Jovi para ela embaixo daquela janela — que belo filme, aliás.
***
“Oi, é normal ter enxaqueca depois do reju?”, eu pergunto pelo Whatsapp para a mocinha que queria saber se eu estava ansiosa. “É sim LUUUUUU”, ela diz, sempre animada e prestativa. Enquanto o rosto arde, vermelho, a cabeça dói. Estou na escola de piano do meu filho. Compro uma long neck no empório ao lado. Tomo e esfrego o vidro gelado no rosto. Meu filho aprende a tocar Fear of the Dark. Pergunto para meus amigos no Whatsapp se alguém quer beber. É terça-feira, são 17h. Ninguém pode beber. Aviso que fiz um procedimento estético e meu rosto queima. “Tem que fazer mesmo”, diz um dos cara no grupo. Pergunto se ele fez. Não, ele não fez. Mas eu faço vídeos com uma câmera a 15 cm da minha cara, ele argumenta, preciso fazer. “Curto procedimentos estéticos”, diz outro no grupo que também nunca fez nada porque homem não precisa fazer nada. A cara deles definitivamente não arde. Minha long neck acaba. A enxaqueca obviamente não.
***
É sábado. Fiz o reju há 4 dias. Meu rosto está áspero por conta das casquinhas. Uma amiga pergunta se tem fenol. Eu não sei o que é fenol. Eu tenho medo de procurar no Google. Mando o link do procedimento para ela avaliar. Não tem fenol, é só uma queimadura muito profunda, ela garante como se sua OAB fosse um CRM. O rosto parece estar começando a descascar. Não pareço jovem ainda. Não serei jovem nunca mais, na verdade. Mas posso dizer que tentei?
Bem, veremos.
***
Esse texto inicia uma série de conteúdos sobre a crise dos 40 anos e a maneira como ela afeta homens e mulheres. Os próximos serão fechados para assinantes pagos.
3 coisas legais e 1 ruim à beça
Galeria Nara Roesler
Amei conhecer esse lugar com mostras individuais incríveis e abertas ao público, gratuitamente. E ainda tem o acervo próprio com até um Tomie gigante. Mas o que me pegou mesmo foi essa sinuca de cristal aqui.

Johnatan Haidt
Ele esteve no Brasil, elogiou nossa lei sem celular nas escolas e colocou um piano nas costas de cada mãe e pai que liberou tela para o filho. Radical, sim. Essa entrevista está boa. Realmente está difícil para todo mundo pensar.
Preguiças gigantes e mais
Sou fascinada pelo assunto megafauna da América do Sul (da África também, mas essa ainda existe). Essa matéria da Piauí fala sobre a possibilidade dos fósseis terem apenas 3.5 mil anos — o que mudaria a história da América! Como vocês conseguem não falar sobre isso o tempo todo?
A ruim à beça
Eu tinha curtido a primeira temporada de uma novelinha turca que chama Próximo!, até escrevi um tratado sobre isso aqui. Só que achei o primeiro episódio da segunda temporada muito idiota. Será que ficou ruim ou eu que amadureci?